quinta-feira, 25 de março de 2010

"Penso que se trabalha demais atualmente,
que danos imensos são causados pela crença
de que o trabalho é uma virtude,
e que nas modernas sociedades industriais devemos
defender algo totalmente diferente
do que sempre se apregoou."
Bertrand Russell,
Elogio ao Ócio,
1936.

Sinto falta de tédio. Na mudança para o apartamento novo revirei fotos antigas em albinhos típicos do milênio passado, quando fotografia ainda era grafada em filme e papel. Me vi dos sete aos doze anos: um magrelo cabeçudo, um Alex Kid feliz e sorridente e entediado com o excesso de tempo.

O tédio na infância é um convite à imaginação, ao devaneio, à aventura, à arte, ao esporte, à preguiça sem culpa. Já o tédio das reuniões, do trânsito, das palestras, das filas e da estafa mental das atividades de hoje não levam a nada a não ser ao saco cheio, mas tão cheio que bate no chão.

Nas grandes cidades existem cinco tipos de pessoas: os frenéticos, os patéticos, os frangos, os frutas e os fracassados. Não há ninguém à toa, parado em casa e na casa dos outros, fazendo do ócio e do tédio uma vida boa e produtiva. Tá todo mundo pilhado, maneiríssimo, na maior "vibe", irado, fudido e abobalhado. Romantismo ficou pros emos, a política está velha, a comédia sem graça e o rock pesado não perturba mais ninguém.

Perceberam? O tédio da sala de aula que insisto em estar agora me deixa chato, gordo, fedido, cuspindo nos outros e com a bunda suja. Fico interessado no feio, no podre, alimento as raivas como a um cão faminto e fico puto com as coisas todas. Na infância eu era feliz mesmo entediado. Ficava lá me sentindo imortal, astro de uma banda de rock, o rei do futebol, o Don Juan das periguetinhas.

Hoje tento não sofrer um acidente, não engordar demais, não ser assaltado, não magoar ninguém, não peidar no elevador, não envelhecer digno de piedade e não morrer na contramão atrapalhando o tráfego.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Confiram aí comentário que fiz para me embaraçar, me ridicularizar e me humilhar gravando na frente de toda e sala, professor e funcionários, para programa de TV na aula de Telejornalismo.


"Domingo foi dia de Vasco e Flamengo, uma das maiores rivalidades do futebol brasileiro. O Maracanã estava lotado e o Vasco perdia por um a zero. Dodô, o atacante vascaíno, já havia desperdiçado um pênalti no primeiro tempo. O jogo era tenso e o time de São Januário tentava o empate. O meia vascaíno, Jeférson, numa de suas primeiras jogadas depois que entrou em campo, sofre pênalti.

Mesmo sob os protestos dos colegas, Dôdo pega a bola e chama a responsabilidade para si. Vai cobrar o pênalti outra vez. Confiante, corre para bola e escolhe o mesmo canto da cobrança anterior. Lá está novamente Bruno, o goleiro flamenguista. Dodô desperdiça outro pênalti e o jogo termina um a zero para o Flamengo.

Coragem ou individualismo? O que levou Dodô a estufar o peito, enfrentar os advesários, a torcida e os próprios colegas para cobrar o pênalti novamente? Sejam lá quais foram as suas razões, certamente hoje, passados dois dias do jogo, Dodô reviu diversas vezes sua decisão na memória.

Edmundo, que foi o último grande ídolo vascaíno, já perdeu pênalti em final de campeonato. Nem por isso caiu no desgosto da torcida. Dodô, no entanto, já vinha mal com os torcedores vascaínos por conta de suas últimas atuações. Mesmo já tendo desperdiçado a primeira cobrança, a coragem de bater o pênalti outra vez, se revelou, na verdade, desespero de se reconciliar com a torcida. E toda atitude desesperada, ainda que corajosa, tem boas chances de dar errado e complicar ainda mais a situação que buscava melhorar."