"Penso que se trabalha demais atualmente,
que danos imensos são causados pela crença
de que o trabalho é uma virtude,
e que nas modernas sociedades industriais devemos
defender algo totalmente diferente
do que sempre se apregoou."
Bertrand Russell,
Elogio ao Ócio,
1936.
Sinto falta de tédio. Na mudança para o apartamento novo revirei fotos antigas em albinhos típicos do milênio passado, quando fotografia ainda era grafada em filme e papel. Me vi dos sete aos doze anos: um magrelo cabeçudo, um Alex Kid feliz e sorridente e entediado com o excesso de tempo.
O tédio na infância é um convite à imaginação, ao devaneio, à aventura, à arte, ao esporte, à preguiça sem culpa. Já o tédio das reuniões, do trânsito, das palestras, das filas e da estafa mental das atividades de hoje não levam a nada a não ser ao saco cheio, mas tão cheio que bate no chão.
Nas grandes cidades existem cinco tipos de pessoas: os frenéticos, os patéticos, os frangos, os frutas e os fracassados. Não há ninguém à toa, parado em casa e na casa dos outros, fazendo do ócio e do tédio uma vida boa e produtiva. Tá todo mundo pilhado, maneiríssimo, na maior "vibe", irado, fudido e abobalhado. Romantismo ficou pros emos, a política está velha, a comédia sem graça e o rock pesado não perturba mais ninguém.
Perceberam? O tédio da sala de aula que insisto em estar agora me deixa chato, gordo, fedido, cuspindo nos outros e com a bunda suja. Fico interessado no feio, no podre, alimento as raivas como a um cão faminto e fico puto com as coisas todas. Na infância eu era feliz mesmo entediado. Ficava lá me sentindo imortal, astro de uma banda de rock, o rei do futebol, o Don Juan das periguetinhas.
Hoje tento não sofrer um acidente, não engordar demais, não ser assaltado, não magoar ninguém, não peidar no elevador, não envelhecer digno de piedade e não morrer na contramão atrapalhando o tráfego.