terça-feira, 8 de abril de 2008


Um dia, achando que estava tudo bem, empézinho de frente ao vaso, ouvindo as vozes das pessoas lá em baixo, a televisão ligada, passarinho cantando, cachorro latindo; eu ali, sem pensar em coisa alguma, sem esperar nada da vida, num dado momento olho pro bilau e vejo sangue saindo. Com as mãos na cabeça gritei aos céus: "Deus, por que me escancaras assim a existência"? Nunca estive tão perto da morte. Quando escabujei por minha terrível sorte diante das pessoas próximas que encontrei, calmamente me disseram em uníssono: é apenas uma infecção urinária. Eles não entenderam, senti mais perto de meu cangote quente o beijo gelado da morte ao despejar sangue no bojo do que pousando em Congonhas num avião da TAM . Sangue é para correr nas veias, mijar sangue é anti-vida. Quando assisti absorto saltitarem de minha glande assustada gotejos sanguíneos vermelhos como olhos de um rato branco, surtei.

Gilberto Gil cantou: “Morrer deve ser tão frio quanto na hora do parto.” Deve mesmo. Diante de meus olhos, após percorrer o caminho miraculoso da vida – a piroca –, vi impotente o rubro líquido que me mantém vivo escapulir magueira afora. Era a vida ali na minha frente colorindo como anilina as águas calmas do vaso sanitário. Ver a vida assim é o mesmo que ver a morte, pois vida e morte são irmãs gêmeas, dois lados da mesma moeda (para cada clichê um chiclé, ofereço ao meu leitor. Ao final me digam quantos estou devendo).

Era um domingo de páscoa. Dias santos fazem mesmo sentido: renascimento, renovação. É preciso renascer mil vezes na vida para permanecer acordado. Quando finalmente acordar não for mais uma oportunidade, quero ter aproveitado até a última gota de sangue. Por isso não dei descarga.

quarta-feira, 26 de março de 2008

INAUGURAÇÃO



Proponho aqui aventar as melhores palavras e construções fraseológicas para esclarecer idéias que se aquartelam na superfície do meu cérebro. São idéias ruins, tolas, desnecessárias, desimportantes e, inclusive, bacaninhas que me confundem o único pensamento puro, este sim, concessor do salvo-conduto para percorrer as fronteiras da vida: o não-pensamento: o instinto. Gastarei idéias nesse blog para seguir desimpedido meu caminho de bicho.


O taguatinguense

Nasci no Distrito Federal, onde fica Brasília, e sou taguatinguense. Moro em Taguatinga, passei minha infância e cresci aqui. Tenho 230.000 vizinhos e conheço a cidade na palma da mão. Pensando bem, não conheço uma cidade, pois não é uma cidade, não há prefeito, não há vereador, não há assembléia nem alguém que me represente na feira da esquina. O que conheço na palma da mão, na verdade, é minha querida e nostálgica região administrativa – assim mesmo, sem maiúsculas, no máximo em itálico.

Contudo, não adianta chamar de outra coisa, Taguatinga é uma cidade, assim como Ceilândia é uma cidade, Samambaia é uma cidade, Guará é uma cidade, Brazlândia é uma cidade, Planaltina é uma cidade e Santa Maria é a mãe de Jesus.

O blog que vos comunica é político-partidário da descentralização da máquina administrativa do Distrito Federal. Ou nos portamos como município, ou seremos para sempre o quintal de Brasília. O que chamamos de Plano Piloto não existe, é um apelido inventado para os moradores, especuladores imobiliários, políticos e comerciantes resignados que moram nas satélites e precisam se acreditar brasilienses ostentando desesperadamente na carteira de identidade, nas placas dos automóveis e na correspondência a palavra Brasília.

Por hora, não quero mais me alongar nessa história, porque o papo será abordado muitas vezes depois. Fiquem, pois, com minhas besteiras, opiniões mal embasadas, preconceitos, clichês e frases bobocas de efeito, como a seguinte: o futuro incerto do cursor piscando a próxima palavra não-escrita nos aguarda.